Parte I
Olhou-a no chão, em posição fetal, afogando-se nas suas próprias lágrimas. Não lhe tocou. Não quis. Manteve-se inerte perante aquela figura deplorável. Sem roupa, ela gemia de frio, gemia de dor, gemia… O seu corpo lacerado esvaia-se em sangue. Mas não era o seu corpo que ali estava, perante ele, representado. Era, sim, a sua alma, a sua vontade, o seu sentido, o seu sentir – chamemos-lhe o que mais nos convier. Era uma sombra, uma representação quase física numa realidade paralela não muito longe daqui.
Passaram-se dias… Ela sobrevivia graças a uma espécie de força interior estúpida… E ele ainda a olhava, sem proferir uma única palavra, sem esboçar um gesto de conforto, sem evitar um olhar altivo, um tanto quanto ameaçador.
Ao cabo de dois meses, este fora o cenário daquela realidade paralela, algures muito perto de onde nos encontramos. Até que ele lhe perguntou, O que fazes aqui? Quase sem voz, ela apenas respondeu, Descanso. E nada mais se ouviu durante as duas horas que se seguiram a esta espécie de diálogo improvisado.
Levanta-te! Olha-me nos olhos! mas ela, já quase sem força, apenas conseguiu ficar ajoelhada perante aquela figura masculina. O que queres de mim? Quem és tu?, Eu sou aquele a quem procuraste. Estavas aflita e recorreste a mim, a este lugar… Mas eu não sei quem és, nem tão pouco onde vim parar! Sabes, sim, mulher. Todas as vezes que renegas a tua existência recolhes a mim. Mas eu não me lembro sequer de renegar a minha existência… Fizeram-te mal, não foi, mulher? Foi… como o sabes? Vejo em ti espinhos cravados nas ancas, no peito e nas mãos. Tu nãos os consegues enxergar, mas eu sim. Vens de uma batalha, de uma derrota. Estás com medo de olhar para trás e reviver cada segundo do pesadelo que te consumiu até chegares a este estado. Olha para mim. Já sem força de vontade, ela apenas conseguiu obedecer. Os teus olhos não me são estranhos. Tenho a sensação de te conhecer…Talvez tenhas razão quando dizes que recolho a ti…
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
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