terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Eu e Ele

Parte I

Olhou-a no chão, em posição fetal, afogando-se nas suas próprias lágrimas. Não lhe tocou. Não quis. Manteve-se inerte perante aquela figura deplorável. Sem roupa, ela gemia de frio, gemia de dor, gemia… O seu corpo lacerado esvaia-se em sangue. Mas não era o seu corpo que ali estava, perante ele, representado. Era, sim, a sua alma, a sua vontade, o seu sentido, o seu sentir – chamemos-lhe o que mais nos convier. Era uma sombra, uma representação quase física numa realidade paralela não muito longe daqui.
Passaram-se dias… Ela sobrevivia graças a uma espécie de força interior estúpida… E ele ainda a olhava, sem proferir uma única palavra, sem esboçar um gesto de conforto, sem evitar um olhar altivo, um tanto quanto ameaçador.
Ao cabo de dois meses, este fora o cenário daquela realidade paralela, algures muito perto de onde nos encontramos. Até que ele lhe perguntou, O que fazes aqui? Quase sem voz, ela apenas respondeu, Descanso. E nada mais se ouviu durante as duas horas que se seguiram a esta espécie de diálogo improvisado.
Levanta-te! Olha-me nos olhos! mas ela, já quase sem força, apenas conseguiu ficar ajoelhada perante aquela figura masculina. O que queres de mim? Quem és tu?, Eu sou aquele a quem procuraste. Estavas aflita e recorreste a mim, a este lugar… Mas eu não sei quem és, nem tão pouco onde vim parar! Sabes, sim, mulher. Todas as vezes que renegas a tua existência recolhes a mim. Mas eu não me lembro sequer de renegar a minha existência… Fizeram-te mal, não foi, mulher? Foi… como o sabes? Vejo em ti espinhos cravados nas ancas, no peito e nas mãos. Tu nãos os consegues enxergar, mas eu sim. Vens de uma batalha, de uma derrota. Estás com medo de olhar para trás e reviver cada segundo do pesadelo que te consumiu até chegares a este estado. Olha para mim. Já sem força de vontade, ela apenas conseguiu obedecer. Os teus olhos não me são estranhos. Tenho a sensação de te conhecer…Talvez tenhas razão quando dizes que recolho a ti…

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL

A todos vós desejo um Natal recheado de Paz, Amor e Saúde!

A todos vós desejo que neste Natal recebam presentes daqueles que mais gostam e que os possam retribuir.

A todos nós que nos vamos queixando de uma crise económica mais ou menos incomodativa, desejo que saibamos disfrutar do conforto das nossas casas, da refeição posta todos os dias na mesa, dos trocos que sobram para um café com os amigos...

FELIZ NATAL

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Deus e ciência... A resposta fácil a perguntas difíceis!

Ontem estive a conversar no MSN com um colega de curso, Marcos Sabino, defensor convicto da visão teísta/criacionista. (www.alogicadosabino.wordpress.com).
Apesar de nunca ter dado grande importância à origem e evolução das espécies, não deixei de ficar intrigada com certas posições criacionistas, ou melhor, com o criacionismo em si. A verdade é que ainda não fiz uma pesquisa razoavelmente boa que me forneça bases para tecer críticas à "visão teísta da criação da vida". Tão pouco me posso considerar evolucionista.

Pelo que até agora percebi, Deus surge como resposta a perguntas difíceis!
-Como surgiu o Big Bang? Os evolucionistas não sabem? ainda não descobriram? Só há especulações?
-(criacionista) Vês? Foi Deus! Eu não te disse!

Pah, assim é fácil ter resposta a tudo!

Para mim, os criacionistas não pretendem encaixar os dados científicos na história biblica, mas sim encontrar algum tipo de fundamento para acreditar numa coisa tão ridícula que é Deus!

Bem, prometo que vou ler mais sobre o assunto para poder desenvolver mais o meu conhecimento e capacidade crítica!

Visitem o blog do Sabino, é interessante! confesso que estou viciada!

www.alogicadosabino.wordpress.com

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SOLIDÃO



A solidão é uma palavra pesada que apenas evocamos para que possamos atormentar ainda mais a nossa sede de sofrer. Por si só, Solidão não é nada... Solidão é um quase-anexo obscuro e prematuro... é um estado sem consistência, sem coerência e em permanente mutação...

Solidão não existe, pois para estarmos sós precisamos necessariamanente da existência das outras pessoas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Foi assim que que tudo começou.. há 13 anos atrás!

Estava a remexer nuns papéis velhos e encontrei este texto, escrito por mim quando tinha 10 anos. Uma adaptação da história da CAROCHINHA.... ! E foi assim:

A CAROCHINHA
Era uma vez, uma Carochinha que vivia com a mãe num casebre perto do lago. Como já deu para se perceber, a Carochinha era muito pobre.
Um dia, a mãe da Carochinha disse-lhe:
- Carochinha, vai procurar um noivo por essa floresta fora. Se for possível, que seja rico. - E essas foram as suas últimas palavras antes de falecer.
- Mãe, vou fazer o possível... - e uma lágrima caiu-lhe pela sua cara de grão de bico.
Fez as malas e pôs-se a caminho. A carochinha andou, andou, andou, andou, andou até que encontrou uma casa de palha e bateu à porta.
- Quem é? - ouviu-se uma voz lá de dentro.
- sou uma viajante e ando à procura de um lugar para pernoitar. Por favor, deixa-me entrar!
-Não me enganas! tu és o Lobo Mau e vieste aqui para me comer!!!
- Ah!! És um porquinho da história dos Três Porquinhos! Eu sou a Carochinha!
- Carochinha?! Então podes entrar!
- Obrigada!-disse a Carochinha. O porquinho ficou muito admirado pois aquela era a história dele.
No dia seguinte, a Carochinha despediu-se do Porquinho e foi-se embora. E andou, andou, andou, até que se perdeu na floresta.
-Socorro!!! Ajudem-me! - gritou a Carochinha. E, ao longe, viu uma casa. Aproximou-se e ouviu:
-... E casou-se com o João Ratão.
- Quem?!? Pergunta a Carochinha através da janela.
- Quem está aí? perguntaram-lhe de dentro.
- Sou a carochinha e ando perdida na floresta...
- Carochinha?!? Que fazes tu na minha história?
- hã? e Tu, quem és? - perguntou a Carochinha muito intrigada.
- Sou a Branca de Neve. Entra!
A Carochinha perguntou À Branca de Neve e aos anões quem se tinha casado com o João Ratão.
- Não te podemos dizer! É segredo.. responderam-lhe em coro.
-... Está bem... Posso dormir aqui? só até amanhã...
- Claro!- disse-lhe a Branca de Neve. - Ficas no sofá.
No dia seguinte, A Carochinha despediu-se de todos e foi-se embora.
Ao passear na floresta, achou uma carteira cheia de dinheiro. Como ela não era nenhuma ladra, verificou se tinha identificação para poder devolvê-la ao dono. O dono, por acaso, era o Rei daquela Floresta. Como prova de agradecimento, o Rei disse-lhe:
- como foste tão gentil, dou-te o que quiseres! Faz o teu preço!
- Bem.. se posso fazer um preço, precisava memso de 500 mil contos.
- Está bem! -disse o Rei.
E a Carochinha foi imediatamente comprar uma casa, ou melhor, um palacete, já mobilado e tudo! como lhe restava algum dinheiro, mandou fazer uma piscina olímpica e comprou um computador com ligação à Internet.
Como se sentia sozinha, pôs um anúncio na Internet, que dizia assim:
"Quem quer casar com a Carochinha?"
Logo muitas respostas apareceram, mas a Carochina não se contentava com nenhuma proposta porque eram todos muito pobres.
E passaram-se anos e anos, até que apareceu um jovem rico que respondera ao anúncio.
- Como te chamas? perguntou a Carochinha-
- Sou o João Ratão!
- João Ratão... ?!? Acho que já ouvi esse nome em qualquer lado...
- Pois já deves, já! No livro que conta a tua história!
- E o que conta a minha história?
- Conta que eu vou morrer no caldeirão no dia do nosso casamento. Por isso, antes de casar, quero já o divórcio! - e, dito isto, foi-se embora...
A Carochinha ficou tão triste que nunca mais quis saber de se casar e viveu sozinha para sempre.
FIM
E pronto, eu era assim aos 10 anos!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

NOVEMBER RAIN


When I look into your eyes
I can see a love restrained
But darlin' when I hold you
Don't you know I feel the same
'Cause nothin' lasts forever
And we both know hearts can change
And it's hard to hold a candle
In the cold November rain
We've been through this such a long long time
Just tryin' to kill the pain
But lovers always come and lovers always go
An no one's really sure who's lettin' go today
Walking away
If we could take the time to lay it on the line
I could rest my head
Just knowin' that you were mine
All mine
So if you want to love me then darlin' don't refrain
Or I'll just end up walkin'
In the cold November rain

Do you need some time...on your own
Do you need some time...all alone
Everybody needs some time...on their own
Don't you know you need some time...all alone
I know it's hard to keep an open heart
When even friends seem out to harm you
But if you could heal a broken heart
Wouldn't time be out to charm you

Sometimes I need some time...on my own
Sometimes I need some time...all alone
Everybody needs some time...on their own
Don't you know you need some time...all alone

And when your fears subside
And shadows still remain, ohhh yeahhh
I know that you can love me
When there's no one left to blame
So never mind the darkness
We still can find a way
'Cause nothin' lasts forever
Even cold November rain

Don't ya think that you need somebody
Don't ya think that you need someone
Everybody needs somebody
You're not the only one
You're not the only one

Guns N'Roses

domingo, 20 de setembro de 2009

E é assim que está a religião em Portugal....


Esta foto foi tirada no Santuário do Sameiro, em Braga!
Já não podemos usar a desculpa do "eh, pah, tou sem trocos" e vamos para casa sem dar esmola... Agora as coisas já não são bem assim. Há lá um um Multibanco just in case!

Excerto....

"- Não! - gritou Hélène - não! Volta!

Desceu as escadas atrás dele, mas ele tinha as pernas grandes, andava mais depressa; ela estava já sem fôlego e ele desaparecia entre a multidão; viu-o dobrar a esquina da rua. 'Ele vai ver' disse ela. 'Ele vai ver'. Ele não ia ver nada; ela não era capaz de lhe fazer mal nenhum. Estava fora do seu alcance. Mas de uma coisa ela era capaz de fazer: fazer-se mal.

(...)

- Como é que isso aconteceu? - perguntou ele
- Uma noite, tu expulsaste Hélène daqui - disse ela - Ela veio pedir-te ajuda, e tu expulsaste-a. ela foi embebedar-se com uns amigos. E... aconteceu.

(...)

- Deves estar furioso. - disse Hélène
- Eu? Porquê?
- Tu nunca mais me querias ver...
- Porque fizeste aquilo?
- Queria vingar-me. - disse ela.
- Mas que estranha vingança!
- Pensei que se tu soubesses terias remorsos."



Excerto de "O Sangue dos Outros" de Simone de Beauvoir

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Olá, Sou um coitadinho pseudo-gótico!



Crio um mundo de ilusões, onde apenas vivem unicórnios negros, lágrimas negras e onde os meus sentimentos estão secretamente guardados em túmulos. Monto o meu cavalo preto e vagueio pelos campos áridos que é o mundo mau que me rodeia. Eu sou frágil, muito fráfil... Fizeram-me mal, muito mal... Eu que sou um demónio-anjo! eu que sou um anjo ferido nos pulsos, eu que recebo rosas negras cheias de espinhos, eu que sou uma rosa negra! Sou especial, porque vejo cometas, canto com voz de igreja e tenho a pele pálida e os olhos negros... MAu,,,, MUNDO é muito mau! As pessoas são sempre más comigo... Coitadinho de mim... Coitadinha de mim! Sou especial por tudo isto, porque, lá no fundo, me falta algo muito importante para manter a sanidade mental. No fundo, no fundo, crio um mundo de fantasia porque sou incapaz de lidar com coisas normais! Coitadinho(a) eu sou! SOu pseudo-especial!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Confiança

Sou uma árvore sem folhas

Sou uma peça invisível num salão nobre qualquer

Sou um cigarro apagado num cinzeiro vazio

Sou um cubo de gelo em pleno Estio

Sou um ser sem o ser.



Sou uma ravina sem declive

Sou um pedaço de papel rasgado

Sou um fogo sem lume e apagado

Sou alguém que viveAlguém que vive sem viver.

Não tentes provar que não sou quem sou

Se aquilo que postulas ser também o não és.

Porque ninguém muda por ninguém

Porque eu não confio

Porque, por linhas torpes me ensinaste a não confiar

terça-feira, 15 de setembro de 2009

DIREITO À VIDA


Aconteceu por acaso , ou por um "acaso premeditado". Talvez não fosse a altura certa... não era, com certeza. Talvez ainda não estivesse preparada para receber esta dádiva: o dom de ajudar a dar vida! Um turbilhão de pensamentos, factos, actos, omissões...
Um conjunto de emoções fortes provocando taquicardias sinusais... Muita informação para um tão curto espaço de tempo.
-10 semanas é o tempo que leva a decidir o que é vida e o que não é.
Muito se tem discutido em volta da questão do aborto. Confesso que inicialmente a minha posição era bastante diferente da que tenho agora.
Mesmo com apenas um dia de vida uterina, o zigoto não deixa de ser um ser humano potêncial, e os seres humanos têm o direito a protecção. Apesar de ainda não possuir características de um ser humano adulto, não podemos negar que o embrião tem semelhanças com um ser humano muito jovem.
Noutros tempos, confesso, julgava que cabia à mulher fazer o que achasse melhor pois o comprometimento maior de uma gravidez seria com o seu corpo. Mas as coisas não são assim tão lineares. Por um lado, o embrião não faz parte do corpo da mulher, não é como um nariz ao qual se pretende fazer uma rinoplastia só porque existe ali alguma coisa que incomóda por qualquer motivo. Por outro lado, temos de pensar no embrião como um ser individual que se serve do corpo da mãe para sobreviver dentro do úturo. Nunca é a mãe que se serve do embrião para qualquer fim.
Temos de jogar com várias premissas.
Matar um ser humano em potencial só seria uma opção eticamente aceitável se essa morte servisse para salvar a vida da progenitora. Seria, desta forma, uma opção entre morte e morte.
Entre estas existem muitos outros argumentos contra o aborto.
Deixar um bebé nascer é um dever.
Se acham que não vão ter condições para o criar, entreguem-no aos cuidados do Estado. Mas deixem nascer os bebés! é um crime ético impedir o desenvolvimento intra-uterino de um ser humano.
A partir do momento que experimentamos a sensação de ter um filho nos braços, a opinião sobre este assunto toma contornos especiais.

LUTA CONTRA MIM

Começa agora a luta oficial contra uma parte de mim que me atormenta. Essa parte chama-se gordura. Até que ponto serei capaz de não enveredar novamente pelos caminhos diabólicos da busca pela perfeição? Pela primeira vez, não posso dizer apenas que me sinto gorda pois, actualmente, eu estou mesmo gorda! Tenho saudades dos tempos em que pesava 50 kg e me sentia obesa... pelo menos era uma figura bonita, embora inconscientemente.
 Ok. Vou perder peso e ficar bonita outra vez. Prometo. Nem que para isso tenha de apelar à Fada Mia, que sempre me ajudou quando mais precisei. 

A VELA do MEDO


Apagaram-se as velas que iluminavam o silêncio ensurdecedor que invadia o meu medo. Já não sinto o medo gelar-me os ossos como se a cada momento o meu corpo quebrasse. Com um leve sopro saido de uma memória profunda, dei por finda a sensação de perda constante, de insanidade anunciada. Rasguei todas as fotos, todos os cartões, todos os poemas ébrios. Não por loucura, mas por uma sensatez inimaginável. Entrei dentro de ti e tu deixaste. Procurei todos os teus entraves, todas as tuas mimi-clausuras que não te deixavam caminhar rumo ao futuro. Procurei tudo e tudo destruí. Assim como faço a todas as coisas que aparecem apenas para acender as velas que iluminam o meu medo. Agora, podes chorar, gritar, sofucar. Podes tudo isso, mas, no final, verás que nada restou além de um novo rumo. Júbilo, Alegria! Estamos livres! A sensação de clausura desapareceu finalmente, quer para mim, quer para ti. E, se no final desta demanda, quiseres pegar no que de ti resta e partir, sabes que não o farás... não por falta de vontade, mas por que quem controla os cordelinhos da minha vida sou eu, e tu és vida, minha vida, enquanto assim eu quiser.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A LUA não será a mesma


A tua morte anunciada alenta a minha sede de sangue e de vingança.

Que se ergam as bandeiras do ódio e da conquista de liberdade!

Quero apreciar cada instante da tua decadência.

Quero sentir o cheiro do teu suor a diluindo-se no teu próprio sangue.

Quero ver as crianças da noite a devorar vorazmente o teu cadáver.

E quero também enterrar o teu corpo em terras de ninguém e deixar que te percas no esquecimento.

E vou uivar ao teu túmulo em noites de lua cheia.

Ele, sim, Ele vai estar sempre comigo... ad semper

The TRIP


Acendo um cigarro apressado antes de entrar na estação. São quase 5min para as 19h. O gelo que se faz sentir nesta cidade fantasma apavora os meus doze sentidos. Está tanto frio… Quem me dera conseguir sugar todos os raios de sol que timidamente invadem, -mas sem avassalar - a minha existência aqui neste lugar tão comum como todos os outros.Por um breve momento, julgo-me capaz de reflectir sobre determinados assuntos. Mas esse pensamento fugaz é abafado pelo olhar penetrante dos meus olhos no relógio de pulso. Não tenho tempo para mais nada. Nem eu, nem as pessoas que à minha volta se apressam em direcção ao comboio.Corro rumo ao amontoado de gente.
Tropeço numa pequeníssima pedra e caio no chão sujo do cais de embarque. - A pedra era demasiado pequena… tão pequena que não a consegui resgatar. – Não me consigo levantar de imediato tal é o peso da bagagem que carrego nas costas.
De um segundo para o outro, os sonâmbulos citadinos que apressados corriam para o comboio desapareceram do alcance dos meus olhos para se enclausurarem nas celas metalizadas de transporte humano. E o comboio parte sem mim.Estou no chão, sozinha, em posição fetal. Quero chorar, mas a dor demasiadamente penetrante apodera-se das minhas vontades. Limito-me a respirar.Finalmente, consigo erguer-me. Limpo as mãos com um lenço de papel que rapidamente fica encharcado de sangue.
Não tenho bem a noção de quanto tempo estive inerte entre o tempo e o espaço. Mas isso não tem interesse nenhum tendo em conta o meu estado lastimoso. Suja e ensanguentada, numa estação ferroviária fria e solitária.Continuo sozinha apesar de sentir a presença de uns estranhos vultos. Não tenho medo da solidão. Nunca tive… é uma questão de hábito. Acho que me acostumei a fechar-me numa redoma de vidro para evitar o contacto com o medo de sofrer.Está a chegar outro comboio. Avanço lentamente para a linha. Sinto o sangue a afogar-me os passos…
Estou tão cansada. Abrem-se as portas das carruagens. Entro sem mais demoras. Pareço ser a única passageira desta viagem. Sento-me ao pé de uma janela e pouso ao meu lado a minha bagagem. O comboio demora a partir. Finalmente, parece que vamos arrancar. Olho através da janela embaciada e vejo algumas sombras a acenar. Não consigo perceber de quem são esses vultos. Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Apesar de tudo, o dia já vai longo… demasiadamente longo.
Não consigo evitar, no entanto, o êxtase do pensamento. Uma onda de reflexões penetra a minha determinação em manter-me pura e simplesmente em estado vegetativo. Começo a indagar sobre o sentido da minha partida repentina e isso leva-me a tecer considerações sobre o passado, porque só o passado tem caminhos, rios, que podemos seguir.Portanto, resolvi dar um título a esta viagem: “A fuga da imperfeição relativa”. Fugir, às vezes, é a única solução dos problemas, principalmente para pessoas com uma enorme dificuldade em comunicar.Tentei, durante muito tempo da minha vida, alcançar a perfeição. Fi-lo sempre pelas vias imperfeitas, sinuosas e repletas de espinhos. No final das minhas buscas pelo bem-estar absoluto dava comigo ainda mais imperfeita do que no início das tais demandas. Dedicava-me de tal maneira ao aperfeiçoamento de uma espécie de dom divino, que nem me apercebia do desabar da realidade comezinha que tanto queria evitar. Essa realidade comezinha era, ao fim de contas, tudo o que tinha. Tudo destruído.
Lembro-me de uma vez em que olhei a minha figura reflectida no espelho e pensei “quem me dera desaparecer”… “eu já não sou eu… sou ninguém”.Sem eira nem beira emocional… O estado ao qual me acomodei. Não por vontade própria… ou talvez por consequência do meu medo de ter medo de sofrer. Isso fez com que deixasse de acreditar nas coisas. Nietzsche viu-nos como animais de promessa e eu já não estou em condições de prometer o que quer que seja, porque apenas quem acredita verdadeiramente e ainda tem esperança de perfeição final é que pode constituir-se como animal de promessa.Por isso fujo. Fujo dos espelhos, fujo dos compromissos de relação humana.Fujo das pessoas que se agarram a fotografias para ressuscitar relações que deveriam ter morrido no passado.Fujo de expectativas. Fujo da vontade de realização.Fujo do tipo de pessoas que lê o jornal e não tem vontade de agir.Vivo de não-decisões. É mais cómodo.O comboio pára de repente. A cadeia de pensamentos quebra-se e deixa de fazer sentido - produção de sentido nunca foi o meu forte.
Não sei onde estou. Olho pela janela embaciada e vejo alguns vultos. Esfrego o vidro com a manga da minha camisola de lã e consigo ter uma visão límpida para o mundo exterior. Reconheço aqueles semblantes. Não quero parar aqui. Não!Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Sigo viagem rumo a nenhures.

A nossa morte

Vejo-te estendida na minha cama com as pálpebras inertes. Apesar da incrível semelhança entre os nossos corpos, esta não é a minha morte.











Aquela que não foi capaz de fazer com que a amassem agora jaz.
Aquela que sofreu por não saber lidar com o mundo dos outros agora jaz.
Aquela que dedicou o seu tempo a tomar ópio agora jaz.


Os círculos de sangue absorvem o seu cadáver. Mas aquele já não é o seu sangue. Ela já não é. Tudo o que resta da mulher que está deitada na minha cama são palavras, porque eu consigo penetrar na sua morte, mas ela já não consegue penetrar na minha vida. Morreu...

Sim,fui eu...



Um dia alguém me disse “vais morrer não tarda”. Tive medo porque as hipóteses de isso acontecer não eram tão desmedidas quanto poderia pensar se estivesse noutra situação Doeu. Doeu a minha consciência por saber que a minha morte estaria antecipada pelos meus actos inconscientes.
Sempre tive muito tempo para reflectir sobre a morte e durante esse tempo imaginei mil e uma formas de declarar definitiva a minha partida deste mundo. Contudo, só agora sei o quão perto lá andei sem sequer me aperceber. E enquanto rodeei as fronteiras da morte não me lembro de ter ponderado os prós e os contras de uma partida precoce. Não pensei nos que ficariam nem em mim, para quem tudo acabaria sem mais nem menos. Limitei-me a sobreviver com os pés elevados do chão, de cabeça sempre em baixo, invadida constantemente por pensamentos negativos. Só o simples facto de sair à rua para comprar tabaco me atormentava como se tratasse de uma prova de fogo impossível de realizar. Tinha a sensação de que toda a gente em minha volta fitava o meu corpo de alto a baixo fazendo juízos de valor pejorativos. Eu ouvia esses pensamentos, juro que ouvia. E eram sempre negativos deixando-me completamente sem chão nem vontade de continuar a viver.
É incrível o poder que a imaginação exerce sobre os nossos actos dia-a-dia.

Apesar de ter aprendido a contornar a perseguição dos olhos dos outros, hoje ainda há réstias da antiga moça cuja vida era determinada pela avaliação exterior concebida pelo inconsciente profundo e repleto de entranhas indecifráveis.
Mesmo após muito tempo de reconhecimento e de luta assumida contra a minha doença, ainda existe uma parte em mim que jura vencer a estúpida batalha contra o espelho.
Para todos os que vivem assim, ou sobrevivem, deixo uma mensagem que me parece apropriada: não temos de ser perfeitos por dois motivos: primeiro, não existe perfeição; segundo, é bom amarmo-nos por aquilo que nós somos, porque todos temos virtudes e defeitos, porque todos merecemos o chão que pisamos.

*****
O relógio marca cinco horas da manhã. Neste preciso momento, biliões de pessoas dormem, milhões de crianças acordam com medo do escuro, milhares de estudantes universitários regressam da noite académica, centenas de carros são vítimas da urina canina, talvez dezenas de casais estejam a atingir o orgasmo, e provavelmente alguém algures estará a fazer algo que mais ninguém esteja. É curioso como a medição do tempo comparativamente ao espaço é intermitente e abissal. Considerando a universalidade como escala, qualquer gesto, qualquer sentimento se tornam banais, mas não frívolos. O tic-tac implicante do despertador parece corroer a barreira dos estímulos nervosos de Alice. Não tarda, amanhece e o seu corpo recusa o repouso. Com as mãos serradas encostadas ao peito, deitada em posição fetal, Alice é apenas mais uma pessoa que às cinco da manhã luta contra a insónia.
Quem é Alice? O que importa?!... A sua história é somente uma banalidade, mas não é frívola. E por não ser frívola talvez seja pertinente referimo-nos a ela um´destes dias, quem sabe…São seis da manhã. A esta hora já há quem se levante da cama para ir de encontro às obrigações do dia que se ergue. Os pássaros dão conta do serviço suave de despertar. O chilrear matinal ora é agradável, ora não. Tudo depende da classe de gente a que pertencemos na noite antecedente. Este dia, igual a muitos outros, leva da capela mortuária uma vítima de enfarte até à sua última morada. Os familiares e amigos do defunto cantam lágrimas e lamentos até a chegada ao cemitério. Contudo, as verdadeiras vítimas são a viúva e os dois filhos ainda novos, uma trindade recém formada cuja lei fora revogada pela impaciência da morte.
Ao mesmo tempo, do outro lado do Mundo, um grupo de estudantes da Universidade de Oxford prepara-se com entusiasmo para receber o Presidente dos Estados Unidos da América.O dia avança. Hora de almoço. Prato do dia no restaurante “O Garfo e a Faca”: Costeletas de porco grelhadas com arroz de tomate; restaurante “a Muralha”: bifinho com champignons; restaurante “Sete Vidas”: feijão frade com bolinhos d bacalhau; restaurante Mc Donald’s: "bomba calórica menu" com maionese e ketchup. Biliões de pessoas saem dos seus trabalhos a esta hora. Talvez algumas delas parem num destes locais para matar o vício de comer. Outras haverão que mantenham o jejum, ou porque não têm o que comer, ou porque pura e simplesmente não queiram. É a lei da descompensação implícita nos hábitos alimentares do Universo
.


As minhas memórias não são mais do que um emaranhado opaco de vivências contextualizadas no tempo perdido. É impossível traçar uma linha contínua no meu passado; sou fruto de vértices sem arestas. Não foi por isso que me desliguei da pureza original da qual comungam todos os seres humanos, apenas preciso viajar mais no tempo para reencontrá-la...

Há quem tenha o dom de perceber o que os outros pensam apenas observando o seu olhar. E se a pessoa "objecto- alvo" de adivinhação sofrer de estrabismo? O processo "observação-análise-conclusão" será o mesmo? Não sei. também não é relevante. Por isso, se houver alguém que o consiga fazer, que me diga que metodologia de avaliação utiliza nestes casos. Só por curiosidade, claro.

mea culpa

Que se abram os caminhos da morte
Que aí vem mais um defunto!
De olhos brancos,
Pele branca, corpo imundo.
De que batalha?
De que desgosto?
Cubram-se de lágrimas
Todos os rostos!
Aí vem o morto!
Caminhai ao som da marcha
E chorai o pesar dos sinos da igreja.
Chorai que aí vem o moribundo!
Coitado, que nem sequer tem
Quem sua morte anuncie ao mundo...
Sou eu o defunto.