Acendo um cigarro apressado antes de entrar na estação. São quase 5min para as 19h. O gelo que se faz sentir nesta cidade fantasma apavora os meus doze sentidos. Está tanto frio… Quem me dera conseguir sugar todos os raios de sol que timidamente invadem, -mas sem avassalar - a minha existência aqui neste lugar tão comum como todos os outros.Por um breve momento, julgo-me capaz de reflectir sobre determinados assuntos. Mas esse pensamento fugaz é abafado pelo olhar penetrante dos meus olhos no relógio de pulso. Não tenho tempo para mais nada. Nem eu, nem as pessoas que à minha volta se apressam em direcção ao comboio.Corro rumo ao amontoado de gente.
Tropeço numa pequeníssima pedra e caio no chão sujo do cais de embarque. - A pedra era demasiado pequena… tão pequena que não a consegui resgatar. – Não me consigo levantar de imediato tal é o peso da bagagem que carrego nas costas.
De um segundo para o outro, os sonâmbulos citadinos que apressados corriam para o comboio desapareceram do alcance dos meus olhos para se enclausurarem nas celas metalizadas de transporte humano. E o comboio parte sem mim.Estou no chão, sozinha, em posição fetal. Quero chorar, mas a dor demasiadamente penetrante apodera-se das minhas vontades. Limito-me a respirar.Finalmente, consigo erguer-me. Limpo as mãos com um lenço de papel que rapidamente fica encharcado de sangue.
Não tenho bem a noção de quanto tempo estive inerte entre o tempo e o espaço. Mas isso não tem interesse nenhum tendo em conta o meu estado lastimoso. Suja e ensanguentada, numa estação ferroviária fria e solitária.Continuo sozinha apesar de sentir a presença de uns estranhos vultos. Não tenho medo da solidão. Nunca tive… é uma questão de hábito. Acho que me acostumei a fechar-me numa redoma de vidro para evitar o contacto com o medo de sofrer.Está a chegar outro comboio. Avanço lentamente para a linha. Sinto o sangue a afogar-me os passos…
Estou tão cansada. Abrem-se as portas das carruagens. Entro sem mais demoras. Pareço ser a única passageira desta viagem. Sento-me ao pé de uma janela e pouso ao meu lado a minha bagagem. O comboio demora a partir. Finalmente, parece que vamos arrancar. Olho através da janela embaciada e vejo algumas sombras a acenar. Não consigo perceber de quem são esses vultos. Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Apesar de tudo, o dia já vai longo… demasiadamente longo.
Não consigo evitar, no entanto, o êxtase do pensamento. Uma onda de reflexões penetra a minha determinação em manter-me pura e simplesmente em estado vegetativo. Começo a indagar sobre o sentido da minha partida repentina e isso leva-me a tecer considerações sobre o passado, porque só o passado tem caminhos, rios, que podemos seguir.Portanto, resolvi dar um título a esta viagem: “A fuga da imperfeição relativa”. Fugir, às vezes, é a única solução dos problemas, principalmente para pessoas com uma enorme dificuldade em comunicar.Tentei, durante muito tempo da minha vida, alcançar a perfeição. Fi-lo sempre pelas vias imperfeitas, sinuosas e repletas de espinhos. No final das minhas buscas pelo bem-estar absoluto dava comigo ainda mais imperfeita do que no início das tais demandas. Dedicava-me de tal maneira ao aperfeiçoamento de uma espécie de dom divino, que nem me apercebia do desabar da realidade comezinha que tanto queria evitar. Essa realidade comezinha era, ao fim de contas, tudo o que tinha. Tudo destruído.
Lembro-me de uma vez em que olhei a minha figura reflectida no espelho e pensei “quem me dera desaparecer”… “eu já não sou eu… sou ninguém”.Sem eira nem beira emocional… O estado ao qual me acomodei. Não por vontade própria… ou talvez por consequência do meu medo de ter medo de sofrer. Isso fez com que deixasse de acreditar nas coisas. Nietzsche viu-nos como animais de promessa e eu já não estou em condições de prometer o que quer que seja, porque apenas quem acredita verdadeiramente e ainda tem esperança de perfeição final é que pode constituir-se como animal de promessa.Por isso fujo. Fujo dos espelhos, fujo dos compromissos de relação humana.Fujo das pessoas que se agarram a fotografias para ressuscitar relações que deveriam ter morrido no passado.Fujo de expectativas. Fujo da vontade de realização.Fujo do tipo de pessoas que lê o jornal e não tem vontade de agir.Vivo de não-decisões. É mais cómodo.O comboio pára de repente. A cadeia de pensamentos quebra-se e deixa de fazer sentido - produção de sentido nunca foi o meu forte.
Não sei onde estou. Olho pela janela embaciada e vejo alguns vultos. Esfrego o vidro com a manga da minha camisola de lã e consigo ter uma visão límpida para o mundo exterior. Reconheço aqueles semblantes. Não quero parar aqui. Não!Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Sigo viagem rumo a nenhures.
Tropeço numa pequeníssima pedra e caio no chão sujo do cais de embarque. - A pedra era demasiado pequena… tão pequena que não a consegui resgatar. – Não me consigo levantar de imediato tal é o peso da bagagem que carrego nas costas.
De um segundo para o outro, os sonâmbulos citadinos que apressados corriam para o comboio desapareceram do alcance dos meus olhos para se enclausurarem nas celas metalizadas de transporte humano. E o comboio parte sem mim.Estou no chão, sozinha, em posição fetal. Quero chorar, mas a dor demasiadamente penetrante apodera-se das minhas vontades. Limito-me a respirar.Finalmente, consigo erguer-me. Limpo as mãos com um lenço de papel que rapidamente fica encharcado de sangue.
Não tenho bem a noção de quanto tempo estive inerte entre o tempo e o espaço. Mas isso não tem interesse nenhum tendo em conta o meu estado lastimoso. Suja e ensanguentada, numa estação ferroviária fria e solitária.Continuo sozinha apesar de sentir a presença de uns estranhos vultos. Não tenho medo da solidão. Nunca tive… é uma questão de hábito. Acho que me acostumei a fechar-me numa redoma de vidro para evitar o contacto com o medo de sofrer.Está a chegar outro comboio. Avanço lentamente para a linha. Sinto o sangue a afogar-me os passos…
Estou tão cansada. Abrem-se as portas das carruagens. Entro sem mais demoras. Pareço ser a única passageira desta viagem. Sento-me ao pé de uma janela e pouso ao meu lado a minha bagagem. O comboio demora a partir. Finalmente, parece que vamos arrancar. Olho através da janela embaciada e vejo algumas sombras a acenar. Não consigo perceber de quem são esses vultos. Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Apesar de tudo, o dia já vai longo… demasiadamente longo.
Não consigo evitar, no entanto, o êxtase do pensamento. Uma onda de reflexões penetra a minha determinação em manter-me pura e simplesmente em estado vegetativo. Começo a indagar sobre o sentido da minha partida repentina e isso leva-me a tecer considerações sobre o passado, porque só o passado tem caminhos, rios, que podemos seguir.Portanto, resolvi dar um título a esta viagem: “A fuga da imperfeição relativa”. Fugir, às vezes, é a única solução dos problemas, principalmente para pessoas com uma enorme dificuldade em comunicar.Tentei, durante muito tempo da minha vida, alcançar a perfeição. Fi-lo sempre pelas vias imperfeitas, sinuosas e repletas de espinhos. No final das minhas buscas pelo bem-estar absoluto dava comigo ainda mais imperfeita do que no início das tais demandas. Dedicava-me de tal maneira ao aperfeiçoamento de uma espécie de dom divino, que nem me apercebia do desabar da realidade comezinha que tanto queria evitar. Essa realidade comezinha era, ao fim de contas, tudo o que tinha. Tudo destruído.
Lembro-me de uma vez em que olhei a minha figura reflectida no espelho e pensei “quem me dera desaparecer”… “eu já não sou eu… sou ninguém”.Sem eira nem beira emocional… O estado ao qual me acomodei. Não por vontade própria… ou talvez por consequência do meu medo de ter medo de sofrer. Isso fez com que deixasse de acreditar nas coisas. Nietzsche viu-nos como animais de promessa e eu já não estou em condições de prometer o que quer que seja, porque apenas quem acredita verdadeiramente e ainda tem esperança de perfeição final é que pode constituir-se como animal de promessa.Por isso fujo. Fujo dos espelhos, fujo dos compromissos de relação humana.Fujo das pessoas que se agarram a fotografias para ressuscitar relações que deveriam ter morrido no passado.Fujo de expectativas. Fujo da vontade de realização.Fujo do tipo de pessoas que lê o jornal e não tem vontade de agir.Vivo de não-decisões. É mais cómodo.O comboio pára de repente. A cadeia de pensamentos quebra-se e deixa de fazer sentido - produção de sentido nunca foi o meu forte.
Não sei onde estou. Olho pela janela embaciada e vejo alguns vultos. Esfrego o vidro com a manga da minha camisola de lã e consigo ter uma visão límpida para o mundo exterior. Reconheço aqueles semblantes. Não quero parar aqui. Não!Ligo o mp3 e recosto-me tentando adormecer. Sigo viagem rumo a nenhures.
Sem comentários:
Enviar um comentário